O Senado aprovou no
final de novembro do ano passado o substitutivo apresentado pelo relator,
Senador Eduardo Gomes, do projeto de lei complementar (PLP 73/2021) que libera R$
3,8 bilhões para amenizar os efeitos negativos econômicos e sociais da pandemia
de covid-19 no setor cultural. Nesta quinta-feira, 24, o projeto foi aprovado
na Câmara dos Deputados e retorna ao Senado para aprovação final.
Senador Eduardo Gomes é o relator da Lei Paulo Gustavo no Senado Federal
O projeto foi apresentado pelo líder do PT na Casa,
senador Paulo Rocha (PA), e subscrito por outros senadores, foi aprovado na
forma de um substitutivo (texto alternativo) do relator da matéria, senador
Eduardo Gomes (MDB-TO). Foram 68 votos a favor e 5 contra. Agora, o projeto foi
aprovado pela Câmara dos Deputados.
O Projeto de Lei Complementar 73, de 2021, é da
autoria conjunta dos senadores Paulo Rocha, Paulo Paim, Jean Paul Prates,
Rogério Carvalho, Humberto Costa, Jaques Wagner e das senadoras Rose de
Freitas, Zenaide Maia e outros.
Os autores da matéria que o setor cultural foi o
primeiro a parar em decorrência da atual pandemia e, possivelmente, será o
último a voltar a operar. Daí a necessidade de continuar a ajuda, iniciada em
2020 pela Lei Aldir Blanc, aos artistas, aos criadores de conteúdo e às empresas
que, juntos, compõem uma cadeia econômica equivalente a 2,67% do Produto
Interno Bruto e que são responsáveis por cerca de 5,8% do total de ocupados no
país, cerca de 6 milhões de pessoas. Também é digno de nota enfatizar que a lei
complementar resultante da aprovação do PLP homenageará o artista Paulo Gustavo
Amaral Monteiro de Barros, vítima de covid-19, que foi um exemplo de talento,
alegria, solidariedade ao próximo e aos mais necessitados — disse o relator,
que é o líder do governo no Congresso.
Críticas
Já o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra
Coelho (MDB-PE), e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), foram contra a
aprovação da proposta. Bezerra disse que estados e municípios ainda têm saldo
de R$ 628 milhões dos R$ 3 bilhões liberados pela Lei Aldir Blanc.
— Só para se ter uma ideia, a Lei Aldir Blanc já
tem compromissos da ordem de R$ 3 bilhões. Sem a Lei de Audiovisual e sem a Lei
Rouanet, já temos R$ 1,4 bilhão. Também é importante destacar a linha de
crédito emergencial, no valor de R$ 400 milhões. No Programa Especial de Apoio
ao Pequeno Exibidor, nós temos mais R$ 8,5 milhões. E, de planos já aprovados
ou por meio de isenção da Lei Rouanet, nós temos mais R$2,5 bilhões — afirmou
Bezerra.
Para ele, haverá dificuldades para a execução dessa
nova lei. Bezerra afirma que a Constituição não permite a utilização do
superávit financeiro das fontes de recurso do Fundo Nacional de Cultura (FNC)
em finalidade diversa à permitida pela Emenda Constitucional 109.
Flávio Bolsonaro concordou com a avaliação de que o
PLP seria inconstitucional.
— Então, presidente, tanto no mérito quanto na
forma, é um projeto inconstitucional, que esvazia a Secretaria Especial de
Cultura, a qual tem feito um grande trabalho com o secretário Mario Frias à sua
frente, revolucionando, dando transparência e fazendo com que os recursos
cheguem a artistas, à classe cultural, àqueles que realmente precisam, não
àqueles já são afortunados, àqueles que sempre foram atendidos pelos governos
passados, sem nenhum critério, apenas na base do compadrio — disse Flávio
Bolsonaro.
A proposta
O projeto determina que o montante de R$ 3,862
bilhões virá do atual superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura. A
União terá de enviar esse dinheiro a estados, Distrito Federal e municípios
para que seja aplicado “em ações emergenciais que visem combater e mitigar os
efeitos da pandemia de covid-19 sobre o setor cultural”. Caso o projeto vire
lei, o dinheiro terá que ser liberado por meio de medida provisória a ser
editada pela Presidência da República.
“O setor cultural é de relevância crucial para o
país. Um país sem cultura é um país que desconhece seu passado, que ignora seu
presente e compromete seu futuro. A dimensão simbólica da cultura está fundada
na capacidade inerentemente humana de simbolizar, expressa pelas diversas
línguas, valores, crenças e práticas. Ou seja, a dimensão simbólica da cultura
perpassa valores e identidades fundamentais à formação da sociedade. No caso da
sociedade brasileira, pode-se afirmar que a nossa diversidade cultural é a
característica de nossa identidade. Ser brasileiro significa ser diverso e ao
mesmo tempo possuir uma identidade específica que se articula com todas as
outras existentes no país”, disse o senador Paulo Rocha ao apresentar o projeto.
Desse total (R$ 3,862 bilhões), R$ 2,797 bilhões
serão destinados exclusivamente a ações voltadas ao setor audiovisual, no apoio
a produções audiovisuais, salas de cinema, cineclubes, mostras, festivais e
ações de capacitação.
Isso porque, conforme apresentada no projeto, esses
quase R$ 2,8 bilhões se referem a fontes de recursos que foram alocados
originalmente no chamado Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que é uma
categoria de programação específica do Fundo Nacional de Cultura e seus
recursos são oriundos basicamente da cobrança da Contribuição para o
Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), cobrada da
própria cadeia econômica do audiovisual.
Paulo Paim (PT-RS) ressaltou que o setor cultural
foi um dos mais prejudicados pela pandemia.
— Quase um milhão de trabalhadores perderam o
emprego. A cultura precisa ser fomentada, seja com o apoio do poder público ou
do setor privado. É emprego e renda o que está sendo criado neste momento. É
mais arrecadação para estados e municípios.
Paulo Rocha acrescentou que a proposta vai
beneficiar setores culturais e movimentar a economia de estados e municípios.
— Esta lei, que nós batizamos de Paulo Gustavo,
discute a questão do o Fundo Nacional de Cultura, que é uma conquista do setor,
que já é um fundo do setor, que é apenas gerido pelo governo. Portanto, a nossa
lei é uma lei simples. A Lei Paulo Gustavo financia o coletivo da cultura, os
setores da cultura, e também tem um impacto local, na economia dos municípios e
dos estados (...). Ela também valoriza a riqueza do nosso país à medida que tem
impacto fundamental na economia. Não é à toa que setores empresariais investem
muito em cultura, porque há essa questão do impacto na nossa economia — disse
Paulo Rocha.
Contingenciamento
O projeto foi aprovado na forma de um substitutivo
apresentado pelo relator da matéria, senador Eduardo Gomes (MDB-TO). Uma das
principais mudanças promovidas pelo substitutivo foi a retirada de dispositivos
que alteravam a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Rouanet para proibir e
limitar o empenho ou a execução orçamentária dos recursos do Fundo Nacional de
Cultura. A vedação aos contingenciamentos, segundo o relator, foge ao objeto
principal da matéria, que é a concessão de ajuda emergencial ao setor cultural
em 2021 e 2022.
O texto original exclui da meta de resultado
primário de 2021 as transferências federais aos entes subnacionais para o
enfrentamento da pandemia e suas consequências sanitárias no setor cultural. No
substitutivo, Eduardo Gomes estendeu essa regra para qualquer exercício
financeiro (qualquer ano) para a mitigação dos efeitos sociais e econômicos no
setor cultural decorrentes de calamidades públicas ou pandemias, desde que a
transferência exceda os valores iniciais do orçamento aprovado.
Audiovisual
Dos R$ 2,797 bilhões destinados ao setor
audiovisual, o texto original previa uma divisão de 65% dos recursos para estados
e Distrito Federal, e 35% para capitais e municípios com mais de 200 mil
habitantes. Essa distribuição foi alterada pelo relator, que determinou um
valor a ser aplicado em diferentes áreas do audiovisual.
O apoio a produções audiovisuais, de forma exclusiva
ou em complemento a outras formas de financiamento, ficará com R$ 1,957 bilhão.
Outros R$ 447,5 milhões serão destinados ao apoio a reformas, restauros,
manutenção e funcionamento de salas de cinema públicas e privadas, incluindo a
adequação a protocolos sanitários relativos à pandemia da covid-19. A terceira
parte, de R$ 224,7 milhões, será empregada em capacitação no audiovisual, além
de ações como apoio a festivais e mostras, preservação e digitalização de obras
ou acervos e apoio a publicações especializadas e pesquisas.
Nessas três áreas citadas, a divisão será feita da
seguinte maneira: a metade fica com os estados e o Distrito Federal e a outra
metade vai ser distribuída para municípios e também para o Distrito Federal. A
distribuição entre estados ou entre municípios será feita de acordo com
critérios dos fundos de participação (FPE ou FPM) para 20% dos recursos, e para
os 80% restantes a divisão será feita proporcionalmente à população dos entes.
Uma quarta parte dos recursos (R$ 167,8 milhões),
de acordo com o substitutivo, será destinada apenas a estados e ao Distrito
Federal para apoio às pequenas e microempresas do setor audiovisual, aos
serviços independentes de vídeo por demanda cujo catálogo de obras tenha pelo
menos 70% de produções nacionais. O dinheiro também poderá ser aplicado no
licenciamento de produções nacionais para exibição em TVs públicas e na
distribuição de produções audiovisuais nacionais.
Editais
O restante do total de R$ 3,8 bilhões, R$ 1,065
bilhão, será destinado a ações emergenciais atendidas pelo FNC em outras áreas
da cultura. São editais, chamadas públicas e outras formas de seleção pública
para apoio a projetos e iniciativas culturais, inclusive a manutenção de
espaços culturais. Metade irá para estados e Distrito Federal e a outra para
municípios e Distrito Federal.
O texto do relator citou especificamente atividades
que podem ser incluídas nos editais, mas deixou claro que a lista não exclui
outras. Na lista estão, por exemplo, artes visuais, música, teatro, dança,
circo, livros, arte digital, artes clássicas, artesanato, dança, cultura hip
hop e funk, expressões artísticas culturais afro-brasileiras, culturas dos
povos indígenas e nômades e de quilombolas, coletivos culturais
não-formalizados, carnaval, escolas de samba, blocos e bandas carnavalescos.
O substitutivo incluiu a possibilidade de que os
entes federados escolham a que recursos pretendem ter acesso (audiovisual,
outras áreas da cultura ou ambos) e também a permissão para que os municípios
possam se consorciar para o recebimento de recursos.
"De um lado, isso evita que municípios pouco
populosos, mas com relevante realização de filmagens e festivais, caso de
Gramado no estado do Rio Grande do Sul, fiquem de fora do rateio dos recursos
do audiovisual. De outro lado, permite que os municípios com características
locais partilhadas com outros municípios vizinhos recebam os recursos e os
executem via consórcio, com desejável ganho de escala", explicou o
relator.
Lei Aldir Blanc
A inspiração para o PLP veio da Lei Aldir Blanc (Lei 14.017, de 2020),
que socorreu emergencialmente o setor cultural paralisado pela pandemia no ano
passado. Para os autores do PLP, essa lei “foi um alento ao setor cultural,
permitindo que muitas pessoas, artistas, criadores, empresas e cadeias
econômicas inteiras não sucumbissem permanentemente ao fechamento súbito de
todas as atividades culturais devido à pandemia”. A bancada do PT acrescenta
que a Lei Aldir Blanc foi fundamental para a cultura no segundo semestre de
2020, mas ressalta que a pandemia ainda não acabou.
De acordo com o texto aprovado, todos os entes
federados que receberem recursos deverão “se comprometer a fortalecer os
sistemas estaduais e municipais de cultura existentes ou implantá-los nos entes
da federação onde não houver os referidos sistemas, instituindo conselhos,
planos e fundos estaduais e municipais de cultura”. O projeto previa o prazo de
um ano para que isso ocorresse, mas essa exigência foi retirada pelo relator em
seu substitutivo. O texto também prevê que terão de promover debate e consulta
junto à comunidade cultural e à sociedade civil sobre parâmetros de
regulamentos, editais e qualquer forma de seleção pública relativa aos
recursos. Isso poderá ser feito por meio de conselhos de cultura, fóruns
direcionados às diferentes linguagens artísticas ou audiências públicas, além
de outros meios incluídos no substitutivo, como reuniões técnicas, sessões
públicas presenciais e consultas públicas, desde que sejam observadas medidas
de transparência e impessoalidade. Os resultados dessas discussões deverão ser
observados na elaboração dos instrumentos de seleção.
O texto também obriga os entes federados a
assegurar mecanismos de estímulo à participação e ao protagonismo de mulheres,
negros, indígenas, povos tradicionais, inclusive de terreiros e quilombolas,
populações nômades, pessoas do segmento LGBTQIA+, pessoas com deficiência e de
outras minorias. Isso pode ser feito, segundo o substitutivo, por meio de
cotas, critérios diferenciados de pontuação, editais específicos ou outras
ações afirmativas.
Contrapartidas
O projeto determinava contrapartidas financeiras
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, mas essa exigência ficou de
fora do substitutivo. Os percentuais das contrapartidas, que foram retirados do
texto, eram de 5% do valor recebido para estados e Distrito Federal e variavam
entre 1% e 3% para municípios, de acordo com o número de habitantes.
"É preciso afastar a necessidade de
contrapartida financeira, dado que mormente os municípios estão com as receitas
afetadas e não têm condições de dispor de recursos extras para tal finalidade,
o que pode até mesmo prejudicar a execução da lei", explicou o relator.
Além disso, havia contrapartidas sociais que
deveriam ser cumpridas pelos beneficiários do setor audiovisual. O detalhamento
dessas obrigações foi retirado no substitutivo do relator. O novo texto prevê
que a contrapartida social deve ser pactuada pelo gestor de cultura de cada
ente, incluindo obrigatoriamente exibições gratuitas dos conteúdos selecionados
e assegurando acessibilidade de grupos com restrições, além do direcionamento
para a rede de ensino da localidade. Foi mantida no texto a obrigação das salas
de cinema de exibir obras nacionais 10% acima do mínimo vigente.
Para os beneficiados com os recursos fora da área
de audiovisual, ou seja, as demais ações emergenciais atendidas pelo FNC, as
contrapartidas foram mantidas no texto e incluem atividades destinadas
prioritariamente a alunos e professores de escolas públicas e universidades
públicas ou privadas com estudantes do Prouni, além de integrantes de grupos e
coletivos culturais e de associações comunitárias.
O substitutivo incluiu entre esses públicos prioritários
os profissionais de saúde envolvidos no combate à pandemia. Sempre que
possível, devem ser feitas exibições com interação popular via internet ou
exibições públicas com distribuição gratuita de ingressos para os grupos
prioritários.
Essas contrapartidas, tanto para o setor
audiovisual quanto para os beneficiados por meio de editais do FNC, terão que
ocorrer em prazo determinado pelo ente da federação, de acordo com a situação
epidemiológica e as medidas de controle da covid-19. No texto original, o prazo
para as contrapartidas era de 180 dias.
Regras
O substitutivo proíbe estados, o Distrito Federal e
municípios de efetuar repasses dos recursos para beneficiários de ações
emergenciais previstas no auxílio de 2020 (Lei Aldir Blanc). A intenção, segundo
o texto, é evitar duplicidade de ajuda financeira nos mesmos meses de
competência.
O substitutivo incluiu várias regras para a
prestação de contas dos recursos recebidos. Essas informações podem ser
fornecidas de três maneiras: in loco (quando o apoio recebido tiver
valor inferior a R$ 200 mil); em relatório de execução do objeto; ou em
relatório de execução financeira. A intenção, segundo o relator, é criar um
padrão formal para a prestação de contas. Cada modalidade de prestação tem
regras diferentes, detalhadas no texto, e a reprovação das contas pode fazer
com que o beneficiário tenha que devolver recursos ao erário ou apresentar
plano de ações compensatórias.
Apoios
O PLP 73/2021 foi apresentado no Senado em 10 de
maio. Desde então, foram recebidas quatro cartas de apoio à aprovação do
projeto, enviadas pela Associação Brasileira de Festivais
Independentes (Abrafin), por vereadores da Câmara Municipal de Arroio Grande (RS), por
vereadores da Câmara Municipal de Araraquara (SP) e pelo Colegiado Setorial de Circo
do Rio Grande do Sul.
Paulo Gustavo
O ator Paulo Gustavo morreu vítima de covid-19 no
começo de maio, depois de quase dois meses internado. O artista de 42 anos
deixou o marido Thales Bretas e dois filhos pequenos, Gael e Romeu.
Entre os trabalhos de Paulo Gustavo está a
interpretação de Dona Hermínia, no monólogo teatral Minha mãe é uma peça,
que também obteve sucesso de bilheteria na sua versão para os cinemas. Ele era
ator, diretor, humorista, roteirista e apresentador.
Além do senador Paulo Rocha, assinaram o projeto os
senadores da bancada do PT Paulo Paim (RS), Jean Paul Prates (RN), Rogério
Carvalho (SE), Humberto Costa (PE) e Jaques Wagner (BA). Também subscreveram o
texto as senadoras Zenaide Maia (Pros-RN) e Rose de Freitas (MDB-ES).
Fonte: Agência Senado