Texto e fotos Luiz
Henrique Machado
Palmense
parece desconhecer a existência do Projeto de Coleta Seletiva na Capital,
gerando lentidão no avanço da proposta
Contêineres para coleta seletiva instalados junto
ao Ministério Público do Tocantins, em Palmas
Ecoponto instalado pela Prefeitura na Quadra 202
Sul, um dos poucos identificados pelo Projeto Renova Palmas
A atuação no
mercado de reciclados e de logística reversa em Palmas não é tarefa fácil, seja
para a Prefeitura, voluntários e até mesmo para quem dá os primeiros passos
nesta categoria de negócio. Aliás, mesmo sendo dona de um belo projeto urbanístico, a proposta de coleta seletiva mal saiu do papel na Capital mais jovem do país, e o trabalho "formiguinha" dos catadores tem peso de ouro quando se trata de mensurar e engrandecer a iniciativa que gera empregos, renda e contribui com o meio ambiente.
Não é Rapper, nem MC. É o ex-pedreiro Eliel Pimenta e seu cão, Sempre À Toa, celebrando a coleta de latinha, o ouro que o ajuda na conquista do salário todo mês, em Palmas
Nos coletores
ao longo das avenidas e na parte interna das Quadras Residenciais, e também nos
chamados Ecopontos estabelecidos pela Prefeitura, é comum encontrar todo tipo
de lixo espalhado pelo chão, além de haver papelão, garrafa pet, latinha de
alumínio e até mesmo eletroeletrônicos misturados dentro dos contêineres.
Mesmo com indicação para os tipos de resíduos nos
contêineres, os cidadãos jogam papelão no chão em Ecoponto na antiga Quadra 21, em
Palmas
Com a mistura de resíduos nos contêineres instalados
pela Prefeitura, catadores aproveitam para garimpar recicláveis
“Existe esta
prática e é considerada normal, já que as pessoas têm dificuldades em aderir ao
programa caso mude muito a sua rotina”, afirma Frazão Araújo, presidente da
Global 7.
A empresa atua
há quatro anos coletando materiais recicláveis e diz ter aproximadamente duas
mil pessoas fazendo parte de seu modelo de coleta seletiva. A Global implanta
contêineres nos residenciais interessados e os condôminos descartam neles os
materiais conforme indicação para alumínio, plástico, papelão e
eletroeletrônicos.
São poucos os palmenses que realizam a coleta
seletiva, emperrando o avanço na Capital nesta importante área
Contudo, na
prática, a reportagem verificou que os moradores não realizam a separação na
hora do descarte no contêiner, fazendo do espaço um ambiente igual àquele
fixado pela Prefeitura. “Mesmo que as pessoas descartem os recicláveis de forma
misturada, não há problemas, pois qualquer material coletado passa pelo
processo de triagem nas cooperativas ou associações de catadores”, justificou
Frazão, completando que “fazemos um trabalho de orientação permanente para
conscientizar e mitigar quaisquer tipos de problemas identificados no projeto”.
As coletas nos condomínios ocorrem duas vezes por
semana, e as cargas são destinadas às cooperativas e associações de catadores,
os principais parceiros da empresa, que ainda recolhe nos órgãos públicos em
Palmas.
“A consciência ambiental de fazer o descarte de
maneira correta já é patente entre a sociedade, mas o compromisso de tornar
isso uma prática, não”, reconhece Frazão Araújo.
Entre os moradores contemplados com a iniciativa da
Global 7 está a gestora de tráfego Maria Caroline da Cruz, que aprovou o
projeto. "Achei a ideia bem interessante da parte do condomínio. É bem
prático e não custa nada juntar numa sacolinha o material. Eu separo a caixinha
de leite, garrafas pets. Não há problema algum", relatou a Carol.
A moradora, porém, revelou desconhecer a existência
dos Ecopontos instalados pela Prefeitura. “E até acho que deveria ter um
Ecoponto aqui na Quadra [706 Sul], por ter bastante prédios residenciais. Isso
ajudaria muito no processo de descarte correto", sugeriu.
Para chegar ao Ecoponto mais próximo, Caroline
precisaria se deslocar até outra Quadra, a 704 Sul, e o local onde estão os
contêineres não diz que ali é um ponto do Projeto Renova Palmas.
O arte-finalista Marcelo da Silva, que reside na
Região Norte de Palmas, também reclama da falta de comunicação e da inexistência de
informação sobre a localização dos Ecopontos. Ele conta que precisou ficar com
os resíduos dentro de casa, por não obter orientação sobre o descarte correto.
“Os pontos de
coleta precisam estar cadastrados como pins no Google Maps e na conta oficial
da Prefeitura, assim como nos endereços eletrônicos dos parceiros. Entrei em
contato com a Prefeitura e ninguém soube me direcionar a um departamento
interno que resolveria a questão. Cheguei a receber um número de telefone, mas,
ao ligar, me disseram que o Paço Municipal não estava recebendo descartes
eletrônicos, isso no início de dezembro de 2023”, conta Marcelo.
Em outro processo, mas como consolidador de resíduos,
Cássius Ferreira atua na chamada logística reversa. Por meio do Instituto
Natura Vida (INA), onde é presidente, o engenheiro ambiental recolhe
eletroeletrônicos descartados, conforme orienta a Política Nacional de Resíduos Sólidos, na Lei nº 12.305/2010, que complementa a Lei nº 11.445/07, que estabelece a Política Nacional de Saneamento Básico, com detalhes para o gerenciamento dos resíduos sólidos.
Na prática, a legislação quer frear o retorno de
metais pesados usados na fabricação dos eletroeletrônicos, que são altamente
contaminantes do ar, de fontes de água no subsolo e do próprio solo. O chumbo e
o bário, por exemplo, estão nos monitores de TVs, assim como o mercúrio e o
cádmio, nas placas de circuito impresso, e os outros, como os compostos de
hidrocarbonetos, usados na fabricação de fios de cobre que integram os
computadores.
Os fabricantes dos eletroeletrônicos não têm as
centrais de recebimentos em Palmas, para recolher os aparelhos descartados. É
aí que entra o INA, executando tal ação por meio de parcerias que envolvem, inclusive, a Associação Brasileira de Recicladores. Como não podem ser levados para o aterro sanitário e nem para os lixões, os equipamentos fora de uso devem ser recolhidos e tratados por empresa especializada.
Cássius e os engenheiros ambientais Carol e Cleber,
seus parceiros, lideram as equipes, as ações de coleta, de separação e de
armazenagem dos materiais antes do envio para São Paulo - SP. O projeto segue
evoluindo, tanto que o trio já anunciou investimentos de R$1,2 milhão para
alçar o Instituto a uma nova etapa.
“Vamos iniciar uma planta industrial de gerenciamento
de resíduos perigosos, onde o eletroeletrônico está inserido”, revelou Cássius.
“Acredito que ainda neste ano, a gente começa a construção”, completou. Com a
nova planta, o INA pretende abrir cerca de 20 estações de trabalho,
aproximadamente 12 vagas a mais em comparação com o quadro atual.
“Em termos de produção”, conforme Cássius, “a
meta é multiplicar por até dez vezes, nos próximos dois anos, o volume de
produtos preparados para a logística reversa”. “A gente vai deixar de ser
armazenagem para agregar valor ao produto, gerar mais empregos e renda com a
descaracterização dos resíduos, separação e a classificação, enviando para os
grandes centros, ou exportando numa escala industrial mais profissional”,
relata.
Nos últimos três anos, segundo o INA, cerca de 13
toneladas de produtos foram transportadas para a capital paulista. As cargas
levaram máquinas de lavar roupas, forno microondas, impressoras e uma
diversidade de computadores e acessórios, como os cabos de energia, baterias,
fontes, mouses, tonners de impressoras, caixas de som, e outros materiais.
Entre os desafios do Instituto está a formação de
público, tendo que promover palestras e oficinas nas escolas públicas como
forma de orientar e conscientizar os cidadãos. “Cabe ao poder público a
consolidação da educação ambiental e da fiscalização ambiental. Hoje, a gente
enxerga isso como a parte fraca [do projeto], nos três níveis, ou seja,
municipal, estadual e federal”, relata Cássius.
Um exemplo de contribuição segura para o processo de
coleta seletiva, logística reversa e meio ambiente vem do Ministério Público do
Tocantins (MPTO). Entre as iniciativas do órgão público estão a criação de um
Ecoponto para o descarte de recicláveis em geral e também de equipamentos
eletroeletrônicos. Até mesmo uma iniciativa envolvendo os servidores da casa
foi estabelecida, para que os resíduos sólidos sejam recolhidos periodicamente,
por meio do Projeto Recicla MP, que promove a cultura da responsabilidade
ambiental.
“Quando se faz esse tipo de ação, você evita que o
aterro sanitário seja transformado em lixão. Se todas as entidades públicas
atendessem a esse tipo de atuação, com certeza a gente demandaria menos
recursos públicos para fazer essa gestão, e a gente transformaria aquilo que,
equivocadamente é chamado de lixo, em ativo econômico”, pontuou Francisco
Brandes Júnior, promotor de Justiça da Promotoria Regional Ambiental do
Araguaia e coordenador do Centro de Apoio Operacional de Urbanismo, Habitação e
Meio Ambiente (Caoma).
No começo de
dezembro de 2023, durante um descarte, o Ministério Público do Tocantins
repassou a um parceiro da logística reversa dezenas de metros de cabos de
energia elétrica, baterias de nobreak, fontes diversas, mouses, tonners de
impressoras, caixas de som, e outros materiais.
O promotor reforça a necessidade da existência de
programa de educação ambiental, com foco na coleta seletiva. "Essa
preocupação está tão evidente na nossa legislação que, essa questão da educação
ambiental, tem que ser tema essencial em qualquer plano municipal e estadual de
resíduos sólidos. A grande questão é implantar o que os planos preveem. Você
pode fazer a coleta seletiva na segunda-feira, e, se você não fizer educação
ambiental, a pessoa poderá colocar na terça-feira, em um ponto inadequado, com
animais domésticos revirando todo o lixo”, explica o Dr. Brandes.
"Não há dúvidas de que faltam pessoas
capacitadas para trazer para dentro da sociedade esse tema tão sensível e
atual. Nós temos trabalhado juntos com alguns municípios para que haja a
implementação de fato dessa política pública”, afirmou.
Pouco a pouco
Mas em meio a tantos protocolos e leis, a dona de
casa Verônica Gonçalves, de 44 anos, não vê problema na forma como as coisas
vão acontecendo. Faz dez anos ela é catadora, ou melhor, como ela prefere se
intitular, recicladora, e sai uma vez por dia por algumas quadras coletando o
material que depois é vendido e o dinheiro acrescentado à renda da família.
"Eu pego latinhas, brinquedos e, se acho uma
bolacha, levo também. Dou para minha filha tratar das galinhas que ela cria na
chácara", conta a recicladora. "Às vezes, quando o produto não está
vencido, eu uso ou faço doação para uma vizinha", revela Verônica. E
não é só. A dona de casa reaproveita as roupas que encontra nos contêineres por
onde passa.
"Eu pego as roupas e organizo um bazar. Dá pra
fazer um dinheirinho no final do mês. Não é "muitão", mas ajuda. Dá
pra fazer uns R$650,00 por mês”, explica a recicladora, que realiza a coleta
apenas algumas horas nos finais de tarde. “Se fosse pra eu ficar o dia todo,
daria pra fazer um salário no mês”, frisa Verônica, ao lado de sua grande
conquista: a bicicleta elétrica, que a transporta por todo lado.
Com sua bicicleta elétrica, Verônica busca latinhas
e roupas em bom estado. Consciente de seu trabalho, ela até ajuda as vizinhas
"Juntei
latinha durante um ano e comprei. Paguei R$5.800,00, à vista. E não troca ela
por nada", afirma. "É um trabalho importante, porque a gente recicla
e eu levo as coisas para minhas vizinhas. Hoje mesmo, minha colega foi lá em
casa e dei alguns pacotes de bolachas para ela”, relata.
O trabalho no estilo formiguinha de Verônica se soma
à luta das quatro Cooperativas e Associações de Catadores que fazem a
reciclagem em Palmas. É para esses locais que vão os materiais dos 39
Ecopontos instalados pela Prefeitura de Palmas. Na Quadra 1112 Sul, José
Santana passa o dia entre fardos de papéis e de embalagens prensados e prontos
para o transporte, além de centenas de quilos de outros resíduos sólidos no
caminho da seleção.
A entidade tem doze membros, que são os próprios
trabalhadores no processo de coleta e separação dos materiais. Tudo que é
arrecadado com as vendas serve para a administração da entidade também para
pagar a mão de obra na difícil missão de fazer reciclagem em Palmas.
Por mês, segundo José Santana, que é presidente da
Cooperativa de Reciclagem e Produção (COOPERAN), o volume coletado e vendido
tem variação entre 28 toneladas de papelão, 10 toneladas de papel e 10
toneladas de plástico. "Esse trabalho tem uma grande importância, pois
limpa as ruas da cidade", explica o reciclador no alto de seus 74 anos de
idade, sendo 10 deles dedicados à atividade.
Aos 74 anos de idade, José Santana se dedica à Cooperativa há 10 anos, fazendo reciclagem e buscando o sustento para a família
Santana conta que o dinheiro não é muito no final do
mês, mas dá pra resolver o que precisa. "O preço do material está muito
baixo. O papelão, por exemplo, é vendido a R$0,25, e o papel branco a R$0,35. O
melhorzinho é o plástico, que está a R$2,20 o quilo", queixa-se o
presidente.
“Muitas pessoas trazem os resíduos, mas boa parte a
gente vai buscar com o caminhão”, conta José Santana. Igualmente aos demais
catadores, os membros da Cooperativa vão aos órgãos públicos e também aos
Ecopontos, onde os reciclados estão à espera da coleta. “Toda nossa produção
mensal vai para São Paulo - SP, e Anápolis - GO, em cargas de umas 27
toneladas”, informa Santana.
Um ilustre desconhecido
A distância que os cidadãos comuns precisam percorrer
com os resíduos da coleta seletiva, até chegar aos Ecopontos, parece um carma e
pode ser visto como um revés na proposta da Prefeitura. Além disso, não se vê
educação ambiental e comunicação eficientes com o grande público, que
praticamente desconhece a existência dos 39 locais do Programa de Apoio à
Gestão de Resíduos Sólidos, o Renova Palmas.
Tem luz no fim do túnel, sim. Em Palmas, a coleta
seletiva precisa ser melhor divulgada pela Prefeitura e ganhar a consciência da
população
A diretora de Meio Ambiente da Prefeitura da Capital,
Paula Raquel Barreto, explicou que o projeto da coleta seletiva surgiu ainda na
gestão passada, mas foi paralisado durante a Pandemia da Covid-19. A ideia foi
retomada recentemente, porém, ao que parece, sem foco na divulgação.
Paula Raquel, diretora de Meio Ambiente de Palmas
“Precisa
avançar no sentido de sensibilizar a população e [ter mais] comunicação. Hoje,
a gente quer trabalhar para identificar os Ecopontos. Muitos estão sem
identificação, as pessoas passam e não veem que aquilo é um Ecoponto. É
importante essa identificação”, reconheceu a diretora.
Paula afirmou também que “há pouca adesão e as
pessoas misturam, não jogam lixo nos contêineres de coleta seletiva. Não querem
levar o reciclado até o ponto mais próximo, daí jogam no lixo comum. A gente
tem muito esse problema”.
A diretora também destacou que a solução dessa
questão, tem estimativa de médio para longo prazo. “Não depende da Fundação.
Depende da população. É um trabalho contínuo de longo prazo para a população
saber fazer [a coleta seletiva]”, afirmou.
Por lei, cabe à Prefeitura criar os projetos de
coleta seletiva, bem como fomentar o recolhimento de plástico, papel, papelão e
metais.
Já a chamada logística reversa é uma obrigação dos
fabricantes, distribuidores, comerciantes e exportadores de vidro, pneus, óleos
lubrificantes, pilhas e baterias, lâmpadas, embalagens de agrotóxicos e de
medicamentos.
Veja neste link onde
encontrar um Ecoponto próximo de sua residência.
Durante
anos, um famoso lixão na região norte de Palmas era o local de descarte de
todos os tipos de resíduos, até que, em 29 de novembro de 2001, a capital
ganhou o Aterro Sanitário. O projeto tem a assinatura do engenheiro civil João
Marques, da Prefeitura de Palmas, como autor, e que, mais tarde, fez
pós-graduação em Saneamento Ambiental (Lixólogo). O ambiente se transformou em
modelo para outras cidades do país, e já recebeu mais de duas mil visitas. “É
um centro de estudos”, define João Marques.
O Aterro
fica na região sul de Palmas e atende todas as especificações técnicas, entre
elas a instalação de célula geomembrana, um forro resistente que impermeabiliza
e impede que o chorume vase e contamine o solo. O líquido é gerado pela
decomposição dos resíduos e precisa passar por algumas etapas nas lagoas de
decantação até ter qualidade e ser usado para fins domésticos.
O próprio
João Marques criava peixes numa das lagoas, onde a água era advinda do chorume
tratado. “A criação de peixe era um bioindicador da qualidade do trabalho que
fazíamos”, conta o lixólogo.
Para o
Aterro de Palmas, só não vão os pneus e o lixo hospital. Cada um tem uma
política própria de descarte. Em 2023, segundo João Marques, 1.320 toneladas de pneus foram recolhidas por meio da logística reversa na Capital. O lixo hospitalar é incinerado.
“O resíduo
doméstico, aquele lixo comum, é depositado no Aterro Sanitário numa média
de 340 toneladas por dia”, informa João Marques. São 30 caminhões cheios
entrando diariamente com os descartes domésticos e comerciais, como restos de
alimentos, madeiras, dejetos humanos, e outros.
“O ganho
com o Aterro Sanitário não é só ambiental, é saúde pública e também saúde para
a fauna e para a flora”, finaliza Marques.