quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Sem comunicação eficaz e sem adesão do cidadão, coleta seletiva segue em marcha lenta em Palmas

Texto e fotos Luiz Henrique Machado

Palmense parece desconhecer a existência do Projeto de Coleta Seletiva na Capital, gerando lentidão no avanço da proposta


Contêineres para coleta seletiva instalados junto ao Ministério Público do Tocantins, em Palmas


Ecoponto instalado pela Prefeitura na Quadra 202 Sul, um dos poucos identificados pelo Projeto Renova Palmas

A atuação no mercado de reciclados e de logística reversa em Palmas não é tarefa fácil, seja para a Prefeitura, voluntários e até mesmo para quem dá os primeiros passos nesta categoria de negócio. Aliás, mesmo sendo dona de um belo projeto urbanístico, a proposta de coleta seletiva mal saiu do papel na Capital mais jovem do país, e o trabalho "formiguinha" dos catadores tem peso de ouro quando se trata de mensurar e engrandecer a iniciativa que gera empregos, renda e contribui com o meio ambiente.


Não é Rapper, nem MC. É o ex-pedreiro Eliel Pimenta e seu cão, Sempre À Toa, celebrando a coleta de latinha, o ouro que o ajuda na conquista do salário todo mês, em Palmas

Nos coletores ao longo das avenidas e na parte interna das Quadras Residenciais, e também nos chamados Ecopontos estabelecidos pela Prefeitura, é comum encontrar todo tipo de lixo espalhado pelo chão, além de haver papelão, garrafa pet, latinha de alumínio e até mesmo eletroeletrônicos misturados dentro dos contêineres.


Mesmo com indicação para os tipos de resíduos nos contêineres, os cidadãos jogam papelão no chão em Ecoponto na antiga Quadra 21, em Palmas


Com a mistura de resíduos nos contêineres instalados pela Prefeitura, catadores aproveitam para garimpar recicláveis

“Existe esta prática e é considerada normal, já que as pessoas têm dificuldades em aderir ao programa caso mude muito a sua rotina”, afirma Frazão Araújo, presidente da Global 7.

A empresa atua há quatro anos coletando materiais recicláveis e diz ter aproximadamente duas mil pessoas fazendo parte de seu modelo de coleta seletiva. A Global implanta contêineres nos residenciais interessados e os condôminos descartam neles os materiais conforme indicação para alumínio, plástico, papelão e eletroeletrônicos.


São poucos os palmenses que realizam a coleta seletiva, emperrando o avanço na Capital nesta importante área

Contudo, na prática, a reportagem verificou que os moradores não realizam a separação na hora do descarte no contêiner, fazendo do espaço um ambiente igual àquele fixado pela Prefeitura. “Mesmo que as pessoas descartem os recicláveis de forma misturada, não há problemas, pois qualquer material coletado passa pelo processo de triagem nas cooperativas ou associações de catadores”, justificou Frazão, completando que “fazemos um trabalho de orientação permanente para conscientizar e mitigar quaisquer tipos de problemas identificados no projeto”.

As coletas nos condomínios ocorrem duas vezes por semana, e as cargas são destinadas às cooperativas e associações de catadores, os principais parceiros da empresa, que ainda recolhe nos órgãos públicos em Palmas. 

“A consciência ambiental de fazer o descarte de maneira correta já é patente entre a sociedade, mas o compromisso de tornar isso uma prática, não”, reconhece Frazão Araújo.

Entre os moradores contemplados com a iniciativa da Global 7 está a gestora de tráfego Maria Caroline da Cruz, que aprovou o projeto. "Achei a ideia bem interessante da parte do condomínio. É bem prático e não custa nada juntar numa sacolinha o material. Eu separo a caixinha de leite, garrafas pets. Não há problema algum", relatou a Carol.

A moradora, porém, revelou desconhecer a existência dos Ecopontos instalados pela Prefeitura. “E até acho que deveria ter um Ecoponto aqui na Quadra [706 Sul], por ter bastante prédios residenciais. Isso ajudaria muito no processo de descarte correto", sugeriu.

Para chegar ao Ecoponto mais próximo, Caroline precisaria se deslocar até outra Quadra, a 704 Sul, e o local onde estão os contêineres não diz que ali é um ponto do Projeto Renova Palmas.

O arte-finalista Marcelo da Silva, que reside na Região Norte de Palmas, também reclama da falta de comunicação e da inexistência de informação sobre a localização dos Ecopontos. Ele conta que precisou ficar com os resíduos dentro de casa, por não obter orientação sobre o descarte correto.

“Os pontos de coleta precisam estar cadastrados como pins no Google Maps e na conta oficial da Prefeitura, assim como nos endereços eletrônicos dos parceiros. Entrei em contato com a Prefeitura e ninguém soube me direcionar a um departamento interno que resolveria a questão. Cheguei a receber um número de telefone, mas, ao ligar, me disseram que o Paço Municipal não estava recebendo descartes eletrônicos, isso no início de dezembro de 2023”, conta Marcelo.

Em outro processo, mas como consolidador de resíduos, Cássius Ferreira atua na chamada logística reversa. Por meio do Instituto Natura Vida (INA), onde é presidente, o engenheiro ambiental recolhe eletroeletrônicos descartados, conforme orienta a Política Nacional de Resíduos Sólidos, na Lei nº 12.305/2010, que complementa a Lei nº 11.445/07, que estabelece a Política Nacional de Saneamento Básico, com detalhes para o gerenciamento dos resíduos sólidos.

Na prática, a legislação quer frear o retorno de metais pesados usados na fabricação dos eletroeletrônicos, que são altamente contaminantes do ar, de fontes de água no subsolo e do próprio solo. O chumbo e o bário, por exemplo, estão nos monitores de TVs, assim como o mercúrio e o cádmio, nas placas de circuito impresso, e os outros, como os compostos de hidrocarbonetos, usados na fabricação de fios de cobre que integram os computadores.

Os fabricantes dos eletroeletrônicos não têm as centrais de recebimentos em Palmas, para recolher os aparelhos descartados. É aí que entra o INA, executando tal ação por meio de parcerias que envolvem, inclusive, a Associação Brasileira de Recicladores. Como não podem ser levados para o aterro sanitário e nem para os lixões, os equipamentos fora de uso devem ser recolhidos e tratados por empresa especializada.

Cássius e os engenheiros ambientais Carol e Cleber, seus parceiros, lideram as equipes, as ações de coleta, de separação e de armazenagem dos materiais antes do envio para São Paulo - SP. O projeto segue evoluindo, tanto que o trio já anunciou investimentos de R$1,2 milhão para alçar o Instituto a uma nova etapa.

“Vamos iniciar uma planta industrial de gerenciamento de resíduos perigosos, onde o eletroeletrônico está inserido”, revelou Cássius. “Acredito que ainda neste ano, a gente começa a construção”, completou. Com a nova planta, o INA pretende abrir cerca de 20 estações de trabalho, aproximadamente 12 vagas a mais em comparação com o quadro atual.

“Em termos de produção”, conforme Cássius, “a meta é multiplicar por até dez vezes, nos próximos dois anos, o volume de produtos preparados para a logística reversa”. “A gente vai deixar de ser armazenagem para agregar valor ao produto, gerar mais empregos e renda com a descaracterização dos resíduos, separação e a classificação, enviando para os grandes centros, ou exportando numa escala industrial mais profissional”, relata.

Nos últimos três anos, segundo o INA, cerca de 13 toneladas de produtos foram transportadas para a capital paulista. As cargas levaram máquinas de lavar roupas, forno microondas, impressoras e uma diversidade de computadores e acessórios, como os cabos de energia, baterias, fontes, mouses, tonners de impressoras, caixas de som, e outros materiais.

Entre os desafios do Instituto está a formação de público, tendo que promover palestras e oficinas nas escolas públicas como forma de orientar e conscientizar os cidadãos. “Cabe ao poder público a consolidação da educação ambiental e da fiscalização ambiental. Hoje, a gente enxerga isso como a parte fraca [do projeto], nos três níveis, ou seja, municipal, estadual e federal”, relata Cássius.

Um exemplo de contribuição segura para o processo de coleta seletiva, logística reversa e meio ambiente vem do Ministério Público do Tocantins (MPTO). Entre as iniciativas do órgão público estão a criação de um Ecoponto para o descarte de recicláveis em geral e também de equipamentos eletroeletrônicos. Até mesmo uma iniciativa envolvendo os servidores da casa foi estabelecida, para que os resíduos sólidos sejam recolhidos periodicamente, por meio do Projeto Recicla MP, que promove a cultura da responsabilidade ambiental.

“Quando se faz esse tipo de ação, você evita que o aterro sanitário seja transformado em lixão. Se todas as entidades públicas atendessem a esse tipo de atuação, com certeza a gente demandaria menos recursos públicos para fazer essa gestão, e a gente transformaria aquilo que, equivocadamente é chamado de lixo, em ativo econômico”, pontuou Francisco Brandes Júnior, promotor de Justiça da Promotoria Regional Ambiental do Araguaia e coordenador do Centro de Apoio Operacional de Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente (Caoma).

No começo de dezembro de 2023, durante um descarte, o Ministério Público do Tocantins repassou a um parceiro da logística reversa dezenas de metros de cabos de energia elétrica, baterias de nobreak, fontes diversas, mouses, tonners de impressoras, caixas de som, e outros materiais.

O promotor reforça a necessidade da existência de programa de educação ambiental, com foco na coleta seletiva. "Essa preocupação está tão evidente na nossa legislação que, essa questão da educação ambiental, tem que ser tema essencial em qualquer plano municipal e estadual de resíduos sólidos. A grande questão é implantar o que os planos preveem. Você pode fazer a coleta seletiva na segunda-feira, e, se você não fizer educação ambiental, a pessoa poderá colocar na terça-feira, em um ponto inadequado, com animais domésticos revirando todo o lixo”, explica o Dr. Brandes.

"Não há dúvidas de que faltam pessoas capacitadas para trazer para dentro da sociedade esse tema tão sensível e atual. Nós temos trabalhado juntos com alguns municípios para que haja a implementação de fato dessa política pública”, afirmou.

Pouco a pouco

Mas em meio a tantos protocolos e leis, a dona de casa Verônica Gonçalves, de 44 anos, não vê problema na forma como as coisas vão acontecendo. Faz dez anos ela é catadora, ou melhor, como ela prefere se intitular, recicladora, e sai uma vez por dia por algumas quadras coletando o material que depois é vendido e o dinheiro acrescentado à renda da família.

"Eu pego latinhas, brinquedos e, se acho uma bolacha, levo também. Dou para minha filha tratar das galinhas que ela cria na chácara", conta a recicladora. "Às vezes, quando o produto não está vencido, eu uso ou faço doação para uma vizinha", revela Verônica.  E não é só. A dona de casa reaproveita as roupas que encontra nos contêineres por onde passa.

"Eu pego as roupas e organizo um bazar. Dá pra fazer um dinheirinho no final do mês. Não é "muitão", mas ajuda. Dá pra fazer uns R$650,00 por mês”, explica a recicladora, que realiza a coleta apenas algumas horas nos finais de tarde. “Se fosse pra eu ficar o dia todo, daria pra fazer um salário no mês”, frisa Verônica, ao lado de sua grande conquista: a bicicleta elétrica, que a transporta por todo lado.


Com sua bicicleta elétrica, Verônica busca latinhas e roupas em bom estado. Consciente de seu trabalho, ela até ajuda as vizinhas

"Juntei latinha durante um ano e comprei. Paguei R$5.800,00, à vista. E não troca ela por nada", afirma. "É um trabalho importante, porque a gente recicla e eu levo as coisas para minhas vizinhas. Hoje mesmo, minha colega foi lá em casa e dei alguns pacotes de bolachas para ela”, relata.

O trabalho no estilo formiguinha de Verônica se soma à luta das quatro Cooperativas e Associações de Catadores que fazem a reciclagem em Palmas. É para esses locais que vão os materiais dos 39 Ecopontos instalados pela Prefeitura de Palmas. Na Quadra 1112 Sul, José Santana passa o dia entre fardos de papéis e de embalagens prensados e prontos para o transporte, além de centenas de quilos de outros resíduos sólidos no caminho da seleção.

A entidade tem doze membros, que são os próprios trabalhadores no processo de coleta e separação dos materiais. Tudo que é arrecadado com as vendas serve para a administração da entidade também para pagar a mão de obra na difícil missão de fazer reciclagem em Palmas.

Por mês, segundo José Santana, que é presidente da Cooperativa de Reciclagem e Produção (COOPERAN), o volume coletado e vendido tem variação entre 28 toneladas de papelão, 10 toneladas de papel e 10 toneladas de plástico. "Esse trabalho tem uma grande importância, pois limpa as ruas da cidade", explica o reciclador no alto de seus 74 anos de idade, sendo 10 deles dedicados à atividade. 


Aos 74 anos de idade, José Santana se dedica à Cooperativa há 10 anos, fazendo reciclagem e buscando o sustento para a família

Santana conta que o dinheiro não é muito no final do mês, mas dá pra resolver o que precisa. "O preço do material está muito baixo. O papelão, por exemplo, é vendido a R$0,25, e o papel branco a R$0,35. O melhorzinho é o plástico, que está a R$2,20 o quilo", queixa-se o presidente.

“Muitas pessoas trazem os resíduos, mas boa parte a gente vai buscar com o caminhão”, conta José Santana. Igualmente aos demais catadores, os membros da Cooperativa vão aos órgãos públicos e também aos Ecopontos, onde os reciclados estão à espera da coleta. “Toda nossa produção mensal vai para São Paulo - SP, e Anápolis - GO, em cargas de umas 27 toneladas”, informa Santana.

Um ilustre desconhecido

A distância que os cidadãos comuns precisam percorrer com os resíduos da coleta seletiva, até chegar aos Ecopontos, parece um carma e pode ser visto como um revés na proposta da Prefeitura. Além disso, não se vê educação ambiental e comunicação eficientes com o grande público, que praticamente desconhece a existência dos 39 locais do Programa de Apoio à Gestão de Resíduos Sólidos, o Renova Palmas.


Tem luz no fim do túnel, sim. Em Palmas, a coleta seletiva precisa ser melhor divulgada pela Prefeitura e ganhar a consciência da população

A diretora de Meio Ambiente da Prefeitura da Capital, Paula Raquel Barreto, explicou que o projeto da coleta seletiva surgiu ainda na gestão passada, mas foi paralisado durante a Pandemia da Covid-19. A ideia foi retomada recentemente, porém, ao que parece, sem foco na divulgação.


Paula Raquel, diretora de Meio Ambiente de Palmas

“Precisa avançar no sentido de sensibilizar a população e [ter mais] comunicação. Hoje, a gente quer trabalhar para identificar os Ecopontos. Muitos estão sem identificação, as pessoas passam e não veem que aquilo é um Ecoponto. É importante essa identificação”, reconheceu a diretora.

Paula afirmou também que “há pouca adesão e as pessoas misturam, não jogam lixo nos contêineres de coleta seletiva. Não querem levar o reciclado até o ponto mais próximo, daí jogam no lixo comum. A gente tem muito esse problema”. 

A diretora também destacou que a solução dessa questão, tem estimativa de médio para longo prazo. “Não depende da Fundação. Depende da população. É um trabalho contínuo de longo prazo para a população saber fazer [a coleta seletiva]”, afirmou.

Por lei, cabe à Prefeitura criar os projetos de coleta seletiva, bem como fomentar o recolhimento de plástico, papel, papelão e metais.

Já a chamada logística reversa é uma obrigação dos fabricantes, distribuidores, comerciantes e exportadores de vidro, pneus, óleos lubrificantes, pilhas e baterias, lâmpadas, embalagens de agrotóxicos e de medicamentos.

Veja neste link onde encontrar um Ecoponto próximo de sua residência.

Durante anos, um famoso lixão na região norte de Palmas era o local de descarte de todos os tipos de resíduos, até que, em 29 de novembro de 2001, a capital ganhou o Aterro Sanitário. O projeto tem a assinatura do engenheiro civil João Marques, da Prefeitura de Palmas, como autor, e que, mais tarde, fez pós-graduação em Saneamento Ambiental (Lixólogo). O ambiente se transformou em modelo para outras cidades do país, e já recebeu mais de duas mil visitas. “É um centro de estudos”, define João Marques.

O Aterro fica na região sul de Palmas e atende todas as especificações técnicas, entre elas a instalação de célula geomembrana, um forro resistente que impermeabiliza e impede que o chorume vase e contamine o solo. O líquido é gerado pela decomposição dos resíduos e precisa passar por algumas etapas nas lagoas de decantação até ter qualidade e ser usado para fins domésticos.

O próprio João Marques criava peixes numa das lagoas, onde a água era advinda do chorume tratado. “A criação de peixe era um bioindicador da qualidade do trabalho que fazíamos”, conta o lixólogo.

Para o Aterro de Palmas, só não vão os pneus e o lixo hospital. Cada um tem uma política própria de descarte. Em 2023, segundo João Marques, 1.320 toneladas de pneus foram recolhidas por meio da logística reversa na Capital. O lixo hospitalar é incinerado.

“O resíduo doméstico, aquele lixo comum, é depositado no Aterro Sanitário numa média de 340 toneladas por dia”, informa João Marques. São 30 caminhões cheios entrando diariamente com os descartes domésticos e comerciais, como restos de alimentos, madeiras, dejetos humanos, e outros.

“O ganho com o Aterro Sanitário não é só ambiental, é saúde pública e também saúde para a fauna e para a flora”, finaliza Marques.

Um comentário: